Passagem de ano à bela portuguesa
Uma meia noite com passas, fogo de artifício e buzinas
No percorrer de Portugal, de norte a sul, de este a oeste, o país está em festa no último dia do ano. O povo canta, salta, bate palmas, abana a anca, lança o fogo de artífico e brinda com Moet & Chandon ao nosso ano que se avizinha. O sentimento é de esperança, de alento, de entusiasmo e fé para que o ano que vai nascer seja melhor do que o que acaba agora.
Nesta altura, nos finalmentes do ano, a nossa sensibilidade é mais predominante do que o habitual, parece que a nostalgia avassala o nosso ser ao chegar cada vez mais perto do dia 31. Arrependimentos, ajustamentos, ponderações, resoluções… sentimo-nos a fazer um rewind ao vídeo da nossa vida. Recorrermos à memória das nossa ações ao longo dos 12 meses: recordamos os bons e maus momentos que fomos vivendo, relembramos os erros, os falhanços, mas também os sucessos e as conquistas. Memórias que nos fazem ficar com pele de galinha e (esperamos nós) que nos fazem esboçar um sorriso tímido.
Em Portugal, o momento da passagem do ano é celebrado com tradição e alguma superstição, de maneira que a sorte nos acompanhe sempre, e que nunca nos deixe ficar mal. O fogo de artifício é um must have: vê-lo pela janela, ir à praça e assirtir com a multidão, ver na televisão ou lançá-lo nós mesmos. O explodir de cores e formas no ar é um momento intenso de celebração ao mais alto nível, onde juntamos aos céus a nossa festa cá em baixo, onde ficamos boquiabertos de espanto e surpresa com tanta beleza, onde a fala nos falta, tal é o esplendor a jorrar nos céus.
O fogo de artifício tem lugar por volta da meia-noite. Mas um minuto antes do relógio bater as doze horas há um ritual que não escapa: as famosas 12 passas. 12 passas ingeridas, tão rapidamente que quase as engolimos tipo ben-u-ron, uma a cada badalada do relógio, um desejo cada passa, uma crença que ninguém nos tira. Todas juntas representam os 12 meses do ano e trazem-nos sorte, bem-aventurança, amor, dinheiro e felicidade. Esta tradição teve origem em Madrid, na praça das Portas do Sol, nos finais do século XIX, onde as uvas frescas deram lugar às uvas desidratadas. Um saudável costume que nos traz vitaminas e minerais para contra balançar com o Chardonnay e o vinho do Douro que degustamos pela noite fora.
Vestidos a rigor, saltamos da cadeira e temos direito a banhos
Podemos unir duas tradições: as deliciosas uvinhas com o saltar da cadeira. Ouve-se, de boca em boca, que dá sorte saltar de uma cadeira exatamente quando toca a meia-noite. Mas tem de ser com o pé direito! Se não for assim, não funciona. Podemos ainda ter dinheiro no bolso, para que o destino nos traga abundância financeira no novo ano. Esta idea como sinal de boa sorte terá surgido por volta do século XIX mas junta-se também à crença oriental de que a energia entra através dos pés, e portanto a energia do dinheiro fundir-se-á no nosso ser se passarmos a meia-noite com uma nota no sapato. Existe ainda quem faça a primeira compra do ano com a nota usada para a noite da passagem de ano, para assegurar que o destino não a vai deixar ficar mal.
No que toca à indumentária para esta noite, é aconselhado estrear uma peça de roupa interior. Podemos escolher a cor consoante o nosso desejo: azul para a saúde, amarelo para a alegria e dinheiro, preto para o luxo e sedução, lilás para a prosperidade, branco para a calma, harmonia e paz, encarnado para o amor e força, verde para a esperança e cor-de-rosa para o romance.
E para quem vive ao pé do mar, e somente para os que têm coragem (eu vivo à beira da praia e ainda assim, nunca me atrevi a tal acto), há a opção do primeiro mergulho do ano para despertar a alma e entar em Janeiro cheio de energia. Enrijece os ossos, dá saúde e purifica o espírito. Em Carcavelos, em Vila do Conde e na ilha do Faial esta tradição é mais frequente e são mais os corajosos que se lançam de corpo e alma ao Oceano Atlântico, cheios de fé de que não se vão constipar. Na noite fria de 31 de Dezembro ou na manhã gélida de 1 de Janeiro, lá vamos nós molhar o pezinho e pedir os nossos desejos à beira-mar. E claro, podemos sempre levar a roupa interior da sorte.
Em Janeiro há Janeiras
Portugal é de facto um país que mantém as tradições vivinhas da Silva. As célebres Janeiras continuam a ser cantadas por diversos grupos de pessoas ao longo do país, a demonstrar que o legado continua firme e hirto, sem nunca quebrar.
Embora esta herança não se veja nas grandes cidades – onde o modernismo se acentua de dia para dia ao mesmo tempo que a tradição decresce – o cantar das Janeiras é popular o suficiente para que todo o português saiba do que se trata. Consiste em cantar músicas que anunciam o nascimento do menino Jesus e a presença da Nossa Senhora, desejando também um feliz ano novo a quem as está a escutar.
Grupos de pessoas que vão de porta em porta, do dia 1 de Janeiro ao esperado dia 6, Dia de Reis (podendo por vezes prolongar-se até ao final do mês), cantando e pedindo as janeiras, que são na verdade castanhas, chouriços, morcelas, nozes ou outros frutos secos. Antigamente eram o que sobrava das Festas Natalícias, hoje em dia é mais comum ser dinheiro ou chocolates.
Mas não só de cantorias harmoniosas e bonitas se faz uma passagem de ano em Portugal. Os barulhos de colheres de pau a baterem nas panelas e nos pratos, as buzinas dos carros e os apitos das jovens crianças ainda se ouvem pelas ruas e vielas de Lisboa assim que se dá a meia-noite. Faz-se barulho, um barulho ensurdecedor como se tivéssemos ganho o campeonato do mundo de futebol, só para avisar que já passa da meia-noite. Como se alguém se tivesse esquecido!
Este costume, não muito agradável, nasceu entre os anos 50 e 60. Era habitual, na passagem de ano, atirar pratos e tachos velhos pela janela. Escusado será dizer que, por razões óbvias, este costume foi proibido pouco tempo depois. Hoje em dia o barulho mantém-se mas sem se atirar a loiça pela janela. A tradição é mais acentuada no sul do país e remonta a antigos rituais pagãos, onde se acreditava que o barulho afungentaria os maus espíritos que nos pudessem estar a amaldiçoar a entrada no novo ano.
Mas no final de contas, o Réveillon é passado em Portugal como se passa no resto do mundo. Tradições portuguesas à parte, festeja-se o final do ano com um sorriso esperançoso, com um abraço amigo, com um beijo doce, e com muita, mas muita festa.
Texto de Mariana Colombo.
Sobre a Mariana:
Desde que me lembro que sou apaixonada pela escrita e pela comunicação. Quando terminei o meu curso de Ciências da Comunicação, em Lisboa, soube que o meu futuro iria ser como escritora. E como tenho um fascínio pelo desconhecido e pela descoberta, viajo sempre que posso, juntando a escrita às minhas viagens. Foi numa viagem à Roménia onde me apaixonei pelo país, pelas pessoas e pela tradição. E resolvi ficar.
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