Aldeias de xisto – uma criação natural
Aldeias de xisto são mais que muitas em território nacional. Para além do grupo pitoresco de aldeias na Serra da Lousã, estão espalhadas também na Serra do Açor, na zona do Zêzere e na zona do Tejo-Ocreaza.
Na Serra da Lousã o conjunto de aldeias é composto por doze pérolas em xisto: Aigra Nova, Aigra Velha, Candal, Casal de São Simão, Casal Novo, Cerdeira, Chiqueiro, Comareira, Ferraria de São João, Gondramaz, Pena e Talasnal. Xisto e quartzito são os materiais que as compõem (a matéria-prima mais abundante na serra), juntamente com madeira, adicionando amor, muitos anos de história, e bastantes turistas que volta e meia descobrem este Éden de Portugal.
Grande parte destas aldeias têm vindo a ser alvo de recuperação de tempos em tempos, de maneira a manter o bom estado das poucas casas que ainda são habitadas nessa zona. Apesar da fraca densidade populacional, as aldeias regozijam-se com a grande actividade turística, que nunca cessa. Em 2019 receberam uma homenagem que trouxe um novo alento: a Fundação Starlight (criada pelo Instituto de Astrofísica das Canárias) atribuiu às aldeias de xisto da Lousã a certificação internacional “Destino Turístico Starlight” por ter excelentes condições de visibilidade, transparência e escuridão do céu. Por outras palavras: não há melhor sítio para observar a vastidão das estrelas numa noite sem nuvens do que nas aldeias de xisto.
O cenário é este: encostamo-nos confortavelmente numa chaise longue e depois do sol se pôr deliciamo-nos a ver as estrelas, os milhões de pontinhos de luz brilhante que estão sobre as nossas cabeças, e que nos fazem sentir tão pequeninos devido à sua imensidão. Perdemo-nos a olhar para o céu escuro como breu, a tentar desvendar todos os seus segredos, a adivinhar onde está Júpiter ou a Ursa Maior, ou a prever quando vai aparecer uma estrela cadente de rompante. Estamos envolvidos numa atmosfera calma, tranquila, sem um único som de automóveis a passarem na estrada que está ao longe, ou pessoas a falarem ao telefone, ou televisões com o som altíssimo na hora da telenovela, ou qualquer tipo de barulho que não seja vindo da natureza.
A beleza lusitana
A Grande rota do zêzere (GRZ) tem 370km de extensão e une a Serra da Estrela, as aldeias de xisto, Castelo de Bode e o Rio Tejo. É uma das maiores atrações da zona, e com razões para tal. Podemos percorrer esta rota e conhecer Portugal no seu expoente máximo, com paisagens naturais, praias fluviais, pequenos rios e riachos, planícies que unem terras, albufeiras e barragens… neste envolvente mágico das aldeias de xisto, existe flora e fauna abundantes e até podemos ter a eventualidade de nos cruzarmos com um javali ou um veado.
O rio Zêzere tem o seu vale ao redor das aldeias e a sua área natural é das que tem maior diversidade ambiental de Portugal. É o segundo maior rio exclusivamente português (depois do rio Mondego) – uma manta de água lindíssima que aquece as suas extremidades desde a Serra da Estrela até ao Tejo.
Ao longo do caminho, por entre o rio e as aldeias, encontramos senhoras sentadas à beira da estrada, debaixo do chapéu de sol, já agasalhadas com a brisa do outono, a tentar fazer render o dia ao vender queijo, mel, frutas e legumes. Tudo de um gostinho inigualável. E nacional. Entretêm-se a fazer croché, a observar os carros que passam a cada três quartos de hora ou a admirar a beleza das árvores que suspiram com os elogios do vento.
Uma das virtudes desta zona é o facto de todos os pontos estarem mais ou menos pertinho uns dos outros. Podemos facilmente deixar a aldeia do Talasnal e chegar ao santuário da Senhora da Piedade, uma capela catita no topo de um pequenino monte, rodeada de verde, como se espera, onde a Santa Padroeira da Vila da Lousã – a Nossa Senhora da Piedade – abençoa turistas e fiéis e dá um ar espiritual à terra.
Se estivermos na capela, o ponto que mais chama a atenção é o castelo medieval – Castelo de Arouce – que se encontra mesmo à sua frente. Remonta ao século XI e é classificado como Monumento Nacional, integrando a Rede de Castelos e Muralhas do Mondego. Entre o castelo e a capela só há árvores e flores: estamos submersos num vale verde que no início do outono se começa a transformar em tons de laranja, castanho e todos os tons de vermelho.
A praia fluvial da Senhora da Piedade está enquadrada neste panorama de sonho. Localizada na ribeira de São João, é toda feita de xisto e é o toque que faltava ao juntarmos a cascata da Senhora da Piedade, o miradouro da cruz e o santuário São João Baptista – locais que nos enamoram instantaneamente e nos transmitem a beleza lusitana.
Catarredor, um espaço mágico
Aluguei uma casa em Catarredor por recomendação de um amigo:
– “É um lugar inesquecível”, disse-me ele. E com razão.
Quando se chega às portas de Catarredor, uma das aldeias da Serra da Lousã, sente-se um cheirinho mágico no ar. As flores nos canteiros e as hortas com legumes fazem plantão nas traseiras de cada casa e espalham um aroma que nos transporta para o melhor de nós.
As casinhas de xisto em Catarredor vivem umas por cima das outras, numa simbiose perfeita com a natureza que as envolve. Uma casa acaba onde começa a outra, havendo apenas estreitas escadas ou corredores a fazer a separação entre elas. Todas do mesmo tom acinzentado, com os telhados cor de tijolo cansado do tempo, pedregulhos em cima das velhas telhas para que elas não voem durante o inverno rigoroso, o chão em pedra ainda escorregadio da chuva do meio dia, as janelas e portas com rebordos coloridos decoradas com espanta espíritos, cores variadas, rodas penduradas, todo o tipo de flores, imagens alegres ou pinturas fantasiosas. Casas originais, rústicas, velhas mas com um ar pitoresco, casas que nos fazem fantasiar sobre quem as habita, sobre qual será a sua história de vida.
Numa das casas existe uma porta diferente das outras. Está nela desenhada uma mulher rodeada de flores, e no topo da porta pode ler-se gravado em madeira “fantasia”. Fantasia é o bar de Catarredor que alegra as noites frias e solitárias. No interior há cores psicadélicas por toda a parte, pinturas abstractas, pequenas esculturas feitas em materiais que não conheço , conchas penduradas nas paredes, lâmpadas fluorescentes, pormenores quase infinitos. Nas traseiras, as árvores têm corações desenhados nos seus troncos e servem como testemunhas para todos os momentos de convívio que se vivem em fantasia.
Um espaço alternativo ao que é considerado comum, um espaço onde nos sentimos completamente descontraídos para ser quem somos. É isto que se sente em Catarredor, um espaço onde há liberdade para seremos nós mesmos, para nos manifestarmos verdadeiramente no meio de gente tão simples e genuína, para entrarmos em comunhão com a natureza na sua forma mais pura.
A melhor parte de Catarredor é o cair do dia, quando o frio começa a apertar entramos numa das rústicas casas, acendemos a lareira da sala com madeira oferecida do vizinho Manuel, e sentindo a humidade a crescer, bebemos um chocolate quente enrolados em mantas de ovelha enquanto ouvimos a chuva a cantar canções de embalar, que nos deixam embriagados de amor. Vemos pela janela como o choro das nuvens corre pelas pedras de xisto, cobertas de musgo, molhando as ervas daninhas que crescem sem aviso nem autorização, as árvores nuas, agora com pouquíssimas flores que teimam a não cair, eras que cobrem algumas janelas velhas trazendo ainda mais união. E quando a chuva cessa e saímos cá fora para inalar o cheiro a terra molhada, somos presenteados com um magnífico arco-íris, uma criação perfeita, divina, que encanta qualquer alma que o admire. Um ambiente campestre que finalmente comprova o porquê da Elis Regina querer uma casa no campo, e que agora, sem dúvida, me faz querer também.
Texto e fotografias de Mariana Colombo.
Sobre a Mariana:
Desde que me lembro que sou apaixonada pela escrita e pela comunicação. Quando terminei o meu curso de Ciências da Comunicação, em Lisboa, soube que o meu futuro iria ser como escritora. E como tenho um fascínio pelo desconhecido e pela descoberta, viajo sempre que posso, juntando a escrita às minhas viagens. Foi numa viagem à Roménia onde me apaixonei pelo país, pelas pessoas e pela tradição. E resolvi ficar.
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