Campo de Ourique: Lisboa no seu expoente máximo
Vivi a minha infância e adolescência no bairro de Campo de Ourique. Cresci abraçada pela sua presença, influenciada pelo seu estilo tradicional-moderno. Se há coisa que é de louvar nesta freguesia é exactamente isto, a harmoniosa junção que se dá entre o histórico do século XVIII, XIX e o moderno do século XXI. O bairro tem edifícios e espaços com mais de 300 anos que nos trazem um gostinho de como era Portugal nos tempos antigos, fazendo-nos querer voltar atrás no tempo.
Apesar de respirar antiguidade, – que é bastante visível através dos painéis de azulejo, das fachadas dos prédios e da calçada portuguesa – hoje, o ponto mais alto deste bairro desenhado aos quadradinhos é algo modernizado: o Mercado Municipal de Campo de Ourique. Quando renovado, em 2013, este espaço foi sem dúvida um enorme boost para o desenvolvimento e expansão da freguesia. Construído em 1934, foi criado exactamente com o propósito de alimentar a população lisboeta. Hoje em dia está recheado de tascas e tasquinhas que são um autêntico sucesso desde o primeiro dia, uma tendência um tanto ou quanto gourmet, mas não o suficiente para tirar a simplicidade que se sente no panorama geral deste bairro.
De quando em quando podemos ainda deleitar-nos com a antiguidade do nosso fado em certos restaurantes, aquele fado vadio que aquece a alma e o coração com um copo de vinho a acompanhar. Passar um fim de tarde ao som de Carlos do Carmo ou de Carlos Paredes com a sua inconfundível guitarra portuguesa, enquanto saboreamos a vida que se sente em Campo de Ourique, é algo que vale a pena.
Rés-vés Campo de Ourique
Quase todos os portugueses conhecem a expressão “rés-vés Campo de Ourique”, embora poucos saibam de onde vem. A expressão significa “por um triz”, “à justa”, “por pouco”, e remonta ao século XVIII. Em 1755, no famoso terramoto que assombrou e abalou Lisboa no mês de Novembro, toda a baixa foi destruída com o aumento do nível das águas do Tejo devido ao maremoto, e foi exactamente por um triz que o bairro de Campo de Ourique não foi afetado, diluído na imensidão do rio. Permaneceu intacto, com os arcos do Aqueduto de Lisboa sem uma única racha. Dizem que foi um milagre, mas o que é certo é que o bairro perdura até hoje. Ainda mais bonito.
E esta freguesia continua a acordar diariamente com o raiar do sol. Às sete da manhã já o mundo anda cá fora, já as crianças choram agarradas às saias da mãe porque não querem ir para a escola, já as drogarias abrem as suas portas na esperança de boas vendas, já se ouve o célebre eléctrico 28 a passar pela Rua Saraiva de Carvalho a caminho da Graça, já “A Tentadora” nos delicia com o cheirinho a café e o estaladiço croissant acabado de fazer.
Campo de Ourique é um bairro com vida própria, sente-se quase como se fosse uma cidade dentro da cidade de Lisboa. É uma exemplificação da verdadeira vida portuguesa, do dinamismo lisboeta, da boa disposição entre vizinhos e da felicidade de viver. Mas é também uma exemplificação de arquitectura, de cultura, de literatura e gastronomia.
A arquitectura traz-lhe a identidade necessária com as fachadas d’A Tentadora e d’A Concorrente (papelaria), por exemplo, onde a arte nova, que nasceu em 1905, se faz sentir através do uso de novos materiais como o ferro e vidro e a presença de azulejo e frisos decorativos.
Na área da literatura, esta freguesia tem a honra de albergar o ninho do poeta de Portugal, Fernando Pessoa. A Casa de Fernando Pessoa, actualmente um museu, foi onde o poeta passou os últimos quinze anos da sua vida. Uma relíquia intemporal que se transformou num espaço aberto ao público onde ainda podemos encontrar a sua máquina de escrever, os seus óculos e os cadernos de onde nasceram as suas geniais obras, assim como todos os seus companheiros de viagem. Um louvor à poesia que se estende a outras áreas da cultura e que traz a Campo de Ourique o toque intelectual que faltava. E quem sabe se no final ainda nos cruzamos com Alberto Caeiro num dos corredores ou se é Ricardo Reis que nos acompanha à porta.
Em termos gastronómicos, Campo de Ourique é dos bairros com as melhores delícias, doces ou salgadas, que nunca incomodam a possível gastrite. Desde o “Stop do Bairro”, “Coelho da Rocha” ou “Verde Gaio”, qualquer um destes restaurantes pode sempre trazer aquela chatice de não encontrar lugar para estacionar o carro, ou de não arranjar mesa, ou de só ser com reserva, mas quem conhece as relíquias da gastronomia lisboeta tem toda a paciência do mundo. Temos ainda “O Melhor Bolo de Chocolate do Mundo”, e só por isto, Campo de Ourique já é o melhor bairro de Lisboa.
História num bairro moderno
Campo de Ourique tem, na sua extremidade ocidental, um dos mais famosos espaços da capital onde descansam os que já não vivem entre nós. E ainda assim, os que lá jazem têm a sorte de ter uma vista para o pulmão de Lisboa: a serra de Monsanto. O Cemitério dos Prazeres foi construído em 1833 para suportar o surto de cólera que havia abalado a capital nessa época, e expandiu-se de tal forma que hoje em dia tem mais de 7000 jazigos.
É um cemitério que se cruza com a história de Portugal e onde se encontra o maior mausoléu da Europa: o jazigo dos Duques de Palmela. É onde grandes nomes da cultura portuguesa repousam eternamente, como Amália Rodrigues (antes de ter sido transladada para o Panteão Nacional), Fernando Pessoa (antes de ter sido transladado para o Mosteiro dos Jerónimos), Mário Cesariny, Cesário Verde, Raul Solnado, Cândida Branca Flor, e muitos outros. Um espaço com uma vista privilegiada onde se contempla a margem sul do rio Tejo, o Cristo Rei e a ponte 25 de Abril. Com mais de 12 hectares, este campo-santo alberga a maior e mais antiga colecção de ciprestes da Península Ibérica.
O Cemitério dos Prazeres já fazia parte da zona da freguesia antes dela nem sequer ter nascido. Campo de Ourique nasceu de um projecto urbanístico criado em 1878, sob a alçada do engenheiro Francisco Ressano Garcia. Nessa altura o bairro já tinha o emblemático cemitério e o Quartel de Campo de Ourique em funcionamento.
O Jardim Teófilo Braga, mais conhecido entre lisboetas como Jardim da Parada, pode ser chamado de ponto de encontro para os moradores deste bairro catita. Foi concluído na década de 1890 e servia para apoiar o quartel e as suas paradas. Este pequenino jardim, no meio do bairro, é dos locais com mais vida tipicamente portuguesa.
De manhã é trespassado pelos pais que levam as crianças ao colo a caminho da escola, pelos jovens adultos que correm para apanhar o 74 na esquina da padaria portuguesa, pelos comerciantes a abrirem as lojas quase na alvorada. A agitação começa, o comércio abre alas, cruzam-se “bons dias” aqui e acolá, bebem-se as bicas escaldadas ainda em jejum.
Depois do almoço é a hora dos mais velhos se juntarem nas mesas do jardim, e como as crianças ainda estão na escola, existe algum período de sossego para que comece a cavaqueira. Jogam às cartas, ao loto, ao dominó. Recordam a vida, os tempos da guerra, o início do bairro. Aos poucos e poucos chegam os pequeninos com a sua inocência e energia, contentes por brincar antes de ir para casa. Dão de comer aos pombos, que se acumulam à volta da fonte da famosa estátua Maria da Fonte do escultor Costa Mota, deslizam no escorrega, andam nos baloiços, divertem-se no coreto. Os casais namoram nos bancos à sombra, os jovens bebem cervejas no quiosque, dá-se um encontro de gerações, pessoas muito diferentes, vidas opostas, embora haja sempre um ponto em comum: o amor por Campo de Ourique.
Texto de Mariana Colombo. Fotografias de Aleksandra Petrov.
Sobre a Mariana:
Desde que me lembro que sou apaixonada pela escrita e pela comunicação. Quando terminei o meu curso de Ciências da Comunicação, em Lisboa, soube que o meu futuro iria ser como escritora. E como tenho um fascínio pelo desconhecido e pela descoberta, viajo sempre que posso, juntando a escrita às minhas viagens. Foi numa viagem à Roménia onde me apaixonei pelo país, pelas pessoas e pela tradição. E resolvi ficar.
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