Azuga – a cidade onde o frio não se sente
Cai neve na natureza e cai no meu coração
Quando pensamos em neve é instantâneo relembrarmo-nos do fado da nossa querida Amália Rodrigues, Covilhã, cidade neve, uma soberba música que liga a alma portuguesa a uma cidade nortenha que, de tempos em tempos, fica coberta de branco. Se conhecermos um bocadinho das terras lusitanas, rapidamente percebemos que estamos num país onde a neve não é o ponto mais forte: os nevões são de pouca dura e as temperaturas giram em torno dos 8 graus celsius (um bocadinho inferiores no topo de certas serras). Prova-se, assim, que Portugal é dos países da Europa com o inverno mais ameno – e que felicidade para a maior parte dos lusitanos.
Portugal não tem praticamente neve: dos seus 18 distritos, em apenas 5 há a possibilidade de nevar durante o inverno. Em Lisboa, por exemplo, nunca na vida vi cristais de gelo a caírem das nuvens. Nós, lisboetas, não sabemos como lidar com a neve no dia a dia, não crescemos com a magia dos flocos a virem do céu, não somos influenciados pela sua pureza, não aprendemos a esquiar ou a fazer snowboard nem a aguentar a algidez que é característica de outros lugares onde o frio predomina.
Ao mudar-me para a Roménia, um dos maiores choques foi ter de lidar com os rigorosos invernos – o pão nosso de cada dia para os romenos. Mas com o passar do tempo comecei a perceber que o inverno tem algo de muito especial: o mistério dos nevoeiros, o poder das chuvas, a austeridade do frio, o candor da neve…
E coloquei a questão: se o frio é tão insuportável, o que terão de tão especial as zonas montanhosas onde o bater dos dentes não cessa?
Azuga – a cidade onde o frio não se sente
Pois é. Por vezes vale a pena passar momentos com frio em prol de algo superior. E Azuga é, sem sombra de dúvida, algo muito superior a todos nós. E certamente que, em todas as cidades onde neva da mesma forma que neva em Azuga, a pureza que a caracteriza estará também presente.
Não é só a pureza que cai do céu que traz um toque de magia à cidade: esta área com 6119 habitantes, situada na região da Valáquia, tem majestosos castelos, longas estâncias de neve, riquíssimas montanhas e museus para visitar.
No caminho até lá, a paisagem não fica aquém: as montanhas que rodeiam a estrada falam connosco todo o percurso, transparecem sabedoria e imponência, e acima de tudo, impõem respeito. A 141 quilómetros de Bucareste e a 35 quilómetros de Brașov, esta cidade tem o parque natural Bucegi a oeste e “pequenas” montanhas ao seu redor. Tem Sinaia e Buşteni como suas vizinhas e não podia estar melhor acompanhada. Todas estas cidades são de certa forma similares, protegidas pelas mesmas montanhas e abraçadas pela neve durante os meses mais frios.
Mas Azuga tem um charme inigualável. Quando chegamos à cidade sentimos instantaneamente o ar das montanhas a purificar os nossos pulmões, o ar frio que sabe bem durante todo o ano. Azuga é especial.
A beleza dos castelos
Sabemos que o castelo mais famoso da Roménia é o castelo Bran, da lenda do Drácula (que se encontra apenas a 37 quilómetros de Azuga), mas os castelos nesta zona não ficam atrás no ranking. Numa área de 15 quilómetros podemos ser deliciados por dois magníficos castelos: em Sinaia, o castelo Peleș; em Buşteni, o castelo Cantacuzino. Ambos cercados por montanhas e pelo esplendor da natureza, expandindo nobreza e sublimidade.
Peleș, com a sua arquitetura neo-renascentista, foi construído em 1873 a pedido do rei Carlos I, tendo uma influência do estilo alemão. Atualmente, é considerado um dos castelos mais admiráveis da Europa. Com 160 quartos, com excecionais exemplares de arte moderna e paredes revestidas com couro de Córdoba, foi o primeiro da Europa a ter eletricidade; tem um elevador interno, um teatro, um salão para concertos, e muito mais. Um autêntico mundo majestoso onde nos sentimos reis, rainhas, príncipes e princesas assim que pisamos o chão que ainda transpira realeza e magnificência.
O Castelo Cantacuzino é mais recente, datado do ano de 1911, foi construído a pedido do príncipe Jorge Cantacuzino. A superfície total da propriedade é superior a 3 mil metros quadrados, composto por elegantes jardins, fantásticas fontes e ainda uma moradia no jardim, onde pode passar umas belas férias. Criado num estilo neo-romeno, é mais modesto que o castelo Peleș, mas nem por isso, menos cativante.
A neve – o esplendor da inocência
Regressando a Azuga. Quando estamos em pleno inverno, e a neve resolve cair, o manto branco vindo dos céus cobre toda a cidade, todas as montanhas, cada milímetro de terra. Os céus envolvem-nos com a sua pureza através de flocos de neve, que caem devagarinho, rápido, em pequenas ou grandes quantidades, transformando o ar numa animada dança de salão como acontecia nas cortes francesas no período de Luís XIV. Os flocos dançam salsa, tango e lindy hop ao sabor do vento, transformando o céu num espetáculo onde a música da nossa alma dá o toque final.
E para acompanhar os cristais congelados que descem das nuvens, nada melhor do que desportos de neve. Em Azuga existem 7 estâncias de ski, com uma extensão total de 7 quilómetros. Quando vamos nas famosas gôndolas a subir para o topo das montanhas, o entusiasmo cresce gradualmente à medida que sentimos a altitude e a grandeza da paisagem. A emoção de chegar ao cimo da montanha e de observar o panorama à nossa volta é uma sensação que nunca poderá ser totalmente descrita por palavras, tal é a expansão da nossa consciência quando observamos algo tão imponente, tão colossal, tão belo.
Quando chegamos ao cume e tiramos uns segundos para apreciar e sentir onde e o que finalmente alcançámos, ficando imóveis, com os olhos fechados, o sentimento é de que o mundo é nosso. Sentimos que a cada inspiração se cria uma fusão com toda aquela imensidão de neve, com todas as montanhas ali a esperar por nós, uma paz tremenda que paira no ar e que nos inunda a alma. São os melhores segundos do dia, e que valem a pena todo o esforço e todo o frio que se sente.
A admiração também acontece ao contrário: se estivermos no solo e olharmos para o alto, para os picos das montanhas cobertos de neve, que estão tão longe e ao mesmo tempo tão perto, sentimos o despertar de uma certa inocência que permanece dentro de nós. O poder da neve imaculada é exactamente esse: acordar algo puro nos nossos corações e transportar-nos para um local genuíno e inocente, onde nos sentimos bem e em paz.
Esta inocência é também manifestada quando descemos as rampas em cima de trenós, como se fossemos novamente crianças. Desfrutar do momento presente com simplicidade e encanto, rir cada vez que caímos e rebolamos na neve, lembrando os episódios da Heidi dos nos anos 70, a menina suíça que desfrutava de uma felicidade pura por viver nas montanhas e com invernos cheios de neve.
Assim são os invernos passados em Azuga: uma leveza no espírito, uma inocência na alma, uma sintonia entre a neve, o frio que teima em não cessar, as montanhas poderosas e os castelos supremos. Uma combinação perfeita e inesquecível que nos faz dar valor a algo tão simples como uma estação do ano, o inverno gélido e nevoso que tantos querem que passe rápido.
Relembrando a belíssima Balada da Neve, poema do ilustre Augusto Gil, resta apenas dizer que é assim que me sinto quando estou em Azuga, onde “cai neve na Natureza – e cai no meu coração”.
Texto e fotografias de Mariana Colombo.
Sobre a Mariana:
Desde que me lembro que sou apaixonada pela escrita e pela comunicação. Quando terminei o meu curso de Ciências da Comunicação, em Lisboa, soube que o meu futuro iria ser como escritora. E como tenho um fascínio pelo desconhecido e pela descoberta, viajo sempre que posso, juntando a escrita às minhas viagens. Foi numa viagem à Roménia onde me apaixonei pelo país, pelas pessoas e pela tradição. E resolvi ficar.
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