Lepșa – a verdadeira comunhão com a Terra
A “minha” Roménia continua a surpreender a cada viagem que faço, a cada descoberta e aventura. E mais uma vez, foi através do poder da sua natureza que ela me conquistou. Costuma dizer-se que “a walk in nature, walks the soul back home” (“um passeio na natureza, leva a alma de volta a casa”), e é isso que se sente quando se explora esta beleza romena.
A norte de Bucareste, a cerca de quatro horas de carro da capital, está uma aldeia que vive em permanente comunhão com a floresta. No coração das montanhas, Lepșa é uma vila que fica no município de Vrancea, com o seu centro em Focșani, região histórica da Moldávia. O rio Putna, principal afluente do rio Siret (rio este que nasce na Ucrânia) corre por todo o município, banhando, também, a adorável aldeia de Lepșa.
Lepșa faz lembrar A Espuma dos Dias de Boris Vian, o retrato de um romance rodeado de flores que nos prende a atenção e nos deixa apaixonadamente rendidos. No seu romance, a solução para qualquer doença é a comunhão com a natureza. E na verdade é assim que nos sentimos se formos a Lepșa, como se tivéssemos renascido e curado todos os males dentro de nós.
Lepșa é composta essencialmente por uma floresta, linda, densa, forte, poderosa. Mil anos de história para contar por entre as folhas e os ramos das altas árvores, centenas de humanos que caminham por entre as pedras e ervas a admirar a paisagem, a meditar, a apreciar o que a Terra nos dá, com toda a sua abundância.
A melhor forma para fazer o caminho e chegar onde a densa floresta se encontra, com todos os seus mistérios e sem a mão do homem, é a pé. Há infinitos trilhos que podemos arriscar e ver onde eles nos levam, e encontrar sempre um sentimento de espanto e surpresa com o que descobrimos.
Uma obra celestial pintada em tons de verde
A zona de Lepșa não é muito desenvolvida em termos culturais, mas riquíssima em paisagens naturais, zonas florestais e panoramas do meio ambiente que retratam a autenticidade e grandeza da terra.
A reserva natural Cheile Tișiței é uma das atrações naturais da aldeia. O lugar ideal para recarregar baterias e para uma conexão profunda com a natureza. Lobos, linces e ursos vivem neste habitat que indiscutivelmente merece ser visitado. É impossível tanta beleza não nos deixar estupefactos, tanta harmonia e perfeição num espaço que cresceu de forma simples e espontânea, sem qualquer interferência para além do curso natural da vida.
Um dos exemplos de uma obra de arte de natureza divina é a cascata Putnei, dentro da reserva natural, inserida no parque natural Putna Vrancea. 80 metros de comprimento e 12 de profundidade, a potente cascata desagua num lago onde se pode pescar. Quando nos sentamos e molhamos os pés no lago, é um momento único onde se sente o poder da água translúcida, a força com que bate nas pedras ao longo do caminho e como a cascata mostra à terra quem manda ali.
Uma vila espiritual
No coração das montanhas, o mosteiro Lepșa (Mănăstirea Lepșa), fundado em 1774, é a prova de que a espiritualidade perdura no tempo. Rodeado de árvores e campos verdes imaculados, é o lugar ideal para se sentir a aspiração sublime que cresce dentro dos que têm uma fé inabalável.
Por ser consagrada a uma celebração ortodoxa nomeada “A morte da Mãe de Deus”, a igreja do mosteiro foi batizada com o nome de Assunção da Mãe de Deus: a lenda conta que Maria, no momento da sua morte, experienciou uma graça divina, em que todo o seu corpo foi absorvido e a sua alma ascendeu aos céus sem deixar nenhum rasto material, remarcando assim a sua pureza e deificação.
Toda construída em madeira, a igreja que existe dentro do mosteiro é simples, pequenina e humilde, encaixando perfeitamente na aldeia que a acolhe. Quando se entra nesse espaço imaculado, somos admirados com a quantidade de santos que estão representados nas paredes azuis claras, molduras tratadas com todo o cuidado, cheirosas flores num belíssimo altar onde se encontra um quadro em madeira de Maria com Jesus ao seu colo. Um ambiente de fé e paz paira no ar e é fácil sentirmo-nos em casa. A igreja sofreu um incêndio em 1929 e todas os ícones arderam exceto o de São Nicolau, que escapou milagrosamente às chamas; desde então, uma vela está permanentemente acesa sob a imagem do Santo.
A Roménia é dos países que mais me fascina pela sua fé, na sua ligação com o sagrado e com a espiritualidade, na forma como mantém a tradição cristã ortodoxa um exemplo a seguir. Traz-nos uma sensação interna muito bonita e apaziguadora ao empatizar com as pessoas que creem com todo o seu ser em algo superior a si, que não se deixam abalar por nada nem ninguém, que se mantêm convictos nas suas crenças e fazem o seu caminho com devoção e adoração genuína.
Viver na floresta
Quando fui a Lepșa fiquei hospedada numa cabana no meio da floresta. Literalmente. Não havia mais nada à minha volta para além das árvores, das flores e do rio. Tornaram-se todos meus íntimos confidentes, tal como acontece nas cantigas da Poesia Trovadoresca do século XII. No seio da floresta não há rede telefónica, a única loja de conveniência que existe nas proximidades fica a 10 minutos de carro e não há sinal do homem em parte alguma.
O ecossistema que rodeaia a rústica cabana de madeira é composto por um ritmo perfeito, por uma fluidez natural, por uma comunhão entre todos os seres vivos que existem sem haver nenhum tipo de interferência no percurso natural da vida. Tudo está integrado e interligado naquele espaço: as cabanas que estão espalhadas pela floresta, os animais selvagens que se escondem nas suas profundezas, a complexidade das árvores, a disposição das folhas, a textura da relva, o padrão das pétalas de uma flor… tudo encaixa plenamente na equação, algo inacreditavelmente perfeito que relembra as sequências e espirais de Fibonacci.
Em Lepșa, as alvoradas e as noites são o melhor momento para emergirmos com a vastidão da terra. A noite escura como breu, com o céu pintado com infinitas estrelas que nos levam para outra dimensão, em que nos deitamos na relva fria e só vemos a copa das árvores a unirem-se com o azul escuro estrelado, ou as manhãs que despertam com a eufonia dos pássaros e das ovelhas do rebanho que seguem o seu pastor para o passeio matinal, com o calor ameno que aparece gradualmente, trazendo conforto e alegria, o florescer das plantas que acordam para um novo dia.
E o rio? Ai, o rio… o rio que atravessa Lepșa é a maior alegria para quem por ali passa. Este pequeno rio é um afluente do rio Putna, tem 17km e a sua dimensão da bacia é de 71km². Pequenino mas uma fonte de júbilo pleno, sem dúvida. À noite, na cabana onde dormia, ouvia as árvores a murmurarem entre si canções de embalar e ouvia também o rio, tímido, que lá as acompanhava com acordes mais graves, para não se sentir sozinho na imensidão da floresta.
De manhã, ao raiar do sol por entre copas, ia cumprimentá-lo e banhar-me na sua água fria. Pedregulhos colocados em posições estratégicas para fazerem de chaise longue, pequenas árvores que tinham a função de chapéu de sol, salpicos da água aqui e ali para arrefecer, e nada mais importa naquele momento. O sol a acarinhar a pele, o som dos passarinhos, o céu azul claro, pequenas nuvens brancas que se moviam lentamente, uma brisa ideal para refrescar, o verde a colorir a paisagem… um espaço virgem que nos faz esquecer de tudo o que existe, todos os problemas e dramas da vida, tudo o que incomoda ou aborrece, deixando-nos apenas um estado de vazio beatífico, um estado de beatitude, um estado de comunhão plena com a natureza.
Assim é Lepșa, uma aldeia que nos chama para nos unirmos com o mais puro que a terra tem para dar, para sentirmos o poder do universo representado no meio ambiente e para, claro, mais uma vez, confirmar que a Roménia não desilude, e continua sempre a surpreender.
Texto e fotografias de Mariana Colombo.
Sobre a Mariana:
Desde que me lembro que sou apaixonada pela escrita e pela comunicação. Quando terminei o meu curso de Ciências da Comunicação, em Lisboa, soube que o meu futuro iria ser como escritora. E como tenho um fascínio pelo desconhecido e pela descoberta, viajo sempre que posso, juntando a escrita às minhas viagens. Foi numa viagem à Roménia onde me apaixonei pelo país, pelas pessoas e pela tradição. E resolvi ficar.
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