Os vales encantados em Şirnea
Portugal tem uma multitude de serras e montanhas bonitas. O famoso Pico, a montanha mais alta de Portugal, a Serra da Estrela, o ponto mais alto da parte continental, a Serra do Marão, com uns belíssimos 60 quilómetros de natureza do Douro, a Serra do Caramulo, com a melhor água nacional, a Serra da Lousã, com as inesquecíveis aldeias de xisto, a Serra de Sintra, com a magia dos castelos…
Podia continuar a escrever a extensa lista do meu Portugal montanhoso, das suas maravilhas, de como é coberto por vilas e aldeias escondidas por entre as montanhas, com paisagens naturais que nos deixam boquiabertos, com refúgios e esconderijos onde casais trocam promessas de amor, com rios por onde correm os segredos na água… mas deparo-me com uma ambígua situação: não consigo compará-las com as montanhas romenas.
Por mais que tente (e como boa patriota que sou, nascida na capital lisboeta), a imponência das serras da zona de Brașov é tal, que – com muita sorte – só o Evereste lhe consegue fazer concorrência!
E como nunca tive oportunidade de visitar o Evereste, fiquei-me pela Serra do Bucegi, pelas montanhas Piatra Craiului e pela fortaleza Negru Vodă. E que tanto valeram a pena.
À descoberta da Transilvânia
Şirnea é uma vila turística do município de Brașov. A primeira vila romena a ser intitulada como tal, em 1973, juntamente com mais 13 localidades. Ela está ancorada entre a cordilheira Piatra Craiului (uma modesta área de 14 766 hectares) e o Parque Natural Bucegi, um dos mais impressionantes resorts naturais da Roménia.
Bucegi conta com 46 monumentos naturais e mais de 3500 espécies de animais, desde ursos, veados, lobos e até mesmo linces! É um autêntico mundo: tem mais de 15 picos com mais de 2.000 metros de altitude – com Vârful Omu (2505m) como expoente máximo –, pontos onde o céu toca a terra e se entra diretamente para outra dimensão. É um parque onde rezam lendas sobre civilizações extraterrestres e onde as rochas adotaram formas inéditas com o passar do tempo, com a famosa “esfinge romena” a dar provas da sua originalidade, assemelhando-se à Esfinge de Gizé, no Egito.
A uma hora de carro desta vila abraçada por montanhas, na zonda de Valea Cetățuia, fica o mosteiro Negru Vodă, construído no século treze. Para lá chegar (o mosteiro está atracado no topo de uma montanha, a 881 metros de altitude), temos de andar um bom bocado. Percorri a pé as curvas da montanha ainda não eram sete da manhã e quando cheguei ao cimo, os raios de sol davam à terra os primeiros bons dias. Ao longo das curvas e contra curvas do caminho, episódios da Bíblia são retratados: em cada paragem, separadas por meia dúzia de metros, uma velinha acessa e um quadro com uma imagem que remonta à época de Cristo, aos momentos marcantes que Ele viveu. A vida de Cristo acompanha a nossa viagem até chegarmos ao topo e dá-nos a força necessária para aguentarmos o esforço físico.
Quando chegamos à entrada do mosteiro, encontramos escrito na pedra que pisamos: “as viagens lembram a morte” – uma alusão à morte do ego e ao contacto directo com a alma. Cruzamos a porta e é instantâneo o sentimento de paz e pureza que paira no ar. Profundamente espiritual, o mosteiro tem como música de fundo um celestial som vindo da capela, onde os monges recitam orações e enchem as paredes com a melodia vinda da sua fé.
Ao seu redor só se vê o céu e a natureza. Nada mais. É uma sensação incrível, quase que nos sentimos separados do resto do mundo, e espantados ao vê-los ali, os monges, a levar uma vida simples e desapegada, com uma fé tremenda e os corações abertos para abraçar todo o esplendor do universo…
A vila onde se anda a pé
As rotas de ecoturismo são um must para quem saboreia Şirnea. O turismo na natureza é das melhores formas de se entrar em contacto com a verdadeira essência da terra que estamos a visitar. E esta zona está bem preparada para isso, com caminhos, trilhos e circuitos para se fazer durante todo o ano.
Ideal para quem gosta de longas caminhadas pela natureza, as pitorescas estradas florestais que encontramos ao longo do percurso são dignas de ser mencionadas. Por entre as pedras e as plantas, encontram-se morangos muito p equeninos, um fruto que nunca vi em Portugal. Chamam-lhe, em romeno, fragute, e são de comer e chorar por mais.
Para além destes morangos pequeninos, os cogumelos são outra raridade de fazer inveja aos restaurantes de cinco estrelas michelin: conhecidos por hribi, vivem entr e estreitas bétulas, entre vacas e cavalos, entre relva e flores, no seio da terra virgem.
Mas não só de natureza é composta Şirnea: a sua riqueza estende-se ao nível cultural. O Museu Etnográfico, Olímpico e de Arte Contemporânea Nicolae Frunteş, fundado em 1965, é o local ideal para se aprender os costumes e tradições sobre a vida nas aldeias de Şirnea no século vinte.
As festividades de todo o ano
A Roménia é um país de celebração. Há datas para celebrar tudo e mais alguma coisa. E na verdade, do que seria a vida sem festa?
As celebrações tradicionais na zona das montanhas são compostas pelo dia olímpico, a 23 de junho; pela noite mágica das fadas – “noapte de sanziene” – a 24 de julho, uma oportunidade única para entrar no mundo encantado; a anual competição nacional de esqui – “iarna la Sirnea” –; “medição do leite e encontro com os filhos da aldeia”, a 25 de outubro; e na noite anterior à celebração de São Dimitrie é acendido o fogo de Sumedru – “focul lui Sumedru” –, um espetáculo que nos aquece a alma e nos dá ânimo e energia ao admirar o poder das chamas. Um espetáculo digno de ser vivido.
Amor à estilo de Nothing Hill
Fui a Şirnea algumas vezes e não consigo decidir se gosto mais dela no verão, ou no inverno. O ponto positivo é que podemos sentir todas as estações do ano apenas num fim de semana! A paisagem pode mudar num curto espaço de tempo, trocando-nos as voltas mas não o coração, lembrando-nos de como acontece em Nothing Hill, quando Hugh Grant passeia no mercado e as estações do ano o acompanham num curto espaço de tempo.
Destes lugares montanhosos, destes vales encantados tirados das histórias que se leem antes de adormecer, guardo momentos na memória que dificilmente desaparecerão. Um desses momentos foi quando, numa manhã de inverno, vi através de uma parede de vidro, o nascer do sol. Estava hospedada num dos montes que fazem parte da Piatra Craiului, uma reserva natural lindíssima, qualificada como tal em 1938. E aí, o que eu presenciei não foi um nascer do sol qualquer: foi o nascer de uma vida, o nascer de uma esperança, o nascer de mais um dia que simbolizava o despertar da terra e de todo o seu esplendor. Foi, por entre as montanhas, cobertas de neve no topo, que o sol me acariciou a face e me iluminou o dia, me iluminou o ser.
Há pessoas que dizem que a natureza fala connosco… e Şirnea falou comigo, recitou-me palavras sublimes, uma poesia inédita, sussurrou-me ao ouvido versos de amor e fez-me apaixonar por ela.
Texto e fotografias de Mariana Colombo.
Sobre a Mariana:
Desde que me lembro que sou apaixonada pela escrita e pela comunicação. Quando terminei o meu curso de Ciências da Comunicação, em Lisboa, soube que o meu futuro iria ser como escritora. E como tenho um fascínio pelo desconhecido e pela descoberta, viajo sempre que posso, juntando a escrita às minhas viagens. Foi numa viagem à Roménia onde me apaixonei pelo país, pelas pessoas e pela tradição. E resolvi ficar.
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